sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Entenda um pouco sobre a crise economica americana, com o guru Alan Greenspan


Newsweek Magazine. Edição: 24 de Setembro de 2007. Páginas: 20-21

O Oráculo Revela Tudo

O Fed causou o estouro da bolha imobiliária? Estamos entrando em uma recessão? E quem deverá ser nosso próximo presidente? Uma conversa franca.

Hoje aposentado, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, não precisa mais testemunhar diante do Congresso sobre o estado da economia global, a futura direção das taxas de juro e a saúde do mercado de ações. Mas ele estava disposto a s sentar em seu modesto escritório em Washington para uma entrevista de 2 horas com os enviados da NEWSWEEK, John Meacham e Daniel Gross. Eis alguns destaques:

N: Como os americanos podem julgar seu legado como presidente do Fed?
G: Eu fui muito sortudo. Apareci em cena no começo dessa extraordinária meia-geração. E o meu tempo acabou quando os eventos começaram a mudar. No Federal Reserve, criamos políticas que levaram vantagem pela maneira que a economia global estava funcionando, o que nos possibilitou o que tem sido um crescimento notável no padrão de vida Americano. Eu gostaria muito que as pessoas dissessem: Bem, ele causou tudo isso. Mas acho que as evidências não ajudam muito essa hipótese. O que eu fiz essencialmente foi criar um procedimento de gerenciamento de risco para aplicar política monetária.

N: Quando você se tornou presidente do Fed em 1987, se alguém dissesse que nos próximos 20 anos teríamos um crescimento econômico virtualmente ininterrupto, você diria, “Isso é fantasia dos bancos” ?
G: Eu diria que era uma inadequação psiquiátrica. Eu reconheço o quão extraordinário e incomum esse período foi. A própria natureza de sua descontinuidade em relação à história é o que me forçou a ir além das variáveis econômicas para buscar uma explicação a respeito. E como vocês sabem, eu concluí que era o resultado de um evento geopolítico, o fim da Guerra Fria.

N: Esse foi sem dúvida um importante evento político, mas porque foi o mais importante evento econômico de nossas vidas?
G: De um lado da Cortina de Ferro estavam basicamente as sociedades coletivistas centralmente planejadas, baseadas no princípio de que a atividade coletiva é o que produz riqueza e portanto não existem direitos à propriedade individual. Do outro lado, estava sociedades capitalistas construídas em volta do sistema de mercado, com livre comércio e direitos à propriedade individual. O caso clássico era a Alemanha Oriental versus Alemanha Ocidental, que eram duas economias com a mesma história, cultura e idioma.. O conhecimento convencional era que a economia da Alemanha Oriental era três quartos maior que a da Alemanha Ocidental, e que a União Soviética, apesar de alguns grandes deslizes, era um grande poder econômico. Então o Muro de Berlim caiu, e a ruína econômica por trás da Cortina de Ferro foi inesperada e inimaginável. Um planejamento central não funcionou na União Soviética. E o padrão de vida na Alemanha Oriental não era 75% da Alemanha Ocidental, mas, algo entre um terço e 40%. O impacto disso tudo no resto do mundo foi dramático.

N: Como, especificamente?
G: A evidência do poder do mercado versus planejamento central, como exposto na Europa, levou à um extraordinário crescimento em investimento direto estrangeiro nesses países. Na China, por exemplo, esse investimento foi de U$ 4 bilhões em 1991, e chegou a mais de U$ 70 bilhões no ano de 2006. Deng Xiaoping chamou essa transformação de “socialismo à moda chinesa” E o que era na verdade, era um capitalismo sorrateiro.

N: É comum escutar reclamações de vários lugares do mundo sobre o rápido crescimento da China. Isso o preocupa?
G: Eu nao estou, como muitas pessoas estão, preocupado com a China se tornar uma ameaça militar. Em meu livro, eu essencialmente prevejo que o que aconteceu às facções comunistas na Europa deve acontecer com as facções comunistas na China... Eles serão um poder econômico formidável, o que eu penso que será para melhor.

N: Se olharmos para trás, havia alguma coisa que você poderia ter feito no intuito de parar o crescimento da bolha tecnológica dos anos 90?
G: Concluí que não havia como prevenir as bolhas que surgiram enquanto eu estava à frente do Fed... O que nos aconteceu no mercado de ações nos anos 90 não foi de propósito. Nós ajustamos a economia de maneira significativa várias vezes durante esse período. E o que encontramos foi que ao invés de neutralizar ou diminuir gradativamente a bolha, nós a aumentamos...Você só pode parar o crescimento de uma bolha se você quebrar a base da economia. Basicamente, não é possível neutralizar uma bolha antes da hora.

N: O que nos leva para onde estamos hoje: a bolha imobiliária que está para estourar, o mercado de hipotecas de segunda-mão está se desmontando e estamos num triturador de crédito. Críticos dizem que o Fed contribuiu para o problema ao manter as taxas de juro baixas por tanto tempo.
G: O problema em particular foi um acidente esperando acontecer. A euforia que existiu na expansão da bolha do mercado de habitação induziu investidores no mundo todo que tinham um enorme aumento em liquidez – em grande parte por causa das taxas de juro a longo prazo mais baixas do que as que ocorreram como consequência do fim da Guerra Fria – a investir em algo com uma maior proporção de retorno. E o mercado de hipotecas de segunda-mão deu isso a eles.

N: Os Corretores de Hipoteca (Mortgage Brokers) estavam somente atendendo à demanda de investidores?
G: Precisamente. E você também tinha os defensores de Wall Street basicamente dizendo aos corretores: compramos o que você tem... A grande demanda não era tanto por parte das casas de empréstimo, mas sim também dos fornecedores que estavam concedendo empréstimos, que muitas pessoas não podiam pagar. Nós criamos algo que era insustentável. E eventualmente se quebrou. Se não fosse por todo esse esquema, o mercado de empréstimos de segunda-mão seria significamente menor do que o tamanho a que chegou.

N: O povo quer que o Fed corte taxas de juro para aliviar as apertadas condições de crédito. Você acha que o mercado financeiro passou a ver os cortes de taxas de juro como um triturador? E seria isso um papel apropriado do Banco Central?
G: Da maneira como o Fed interfere na economia, nós ajudamos algumas das pessoas envolvidas em atividades financeiras meio questionáveis. O problema basicamente é que se você efetuar política monetária e estabilizar a economia, você vai subir o preço de todos os bens – aqueles bens que pertencem a investidores prudentes, mas também o preço de bens daqueles que tomaram riscos bobos e serão punidos como consequência. Não há uma solução simples. Se nós fizermos algo que funciona para a sociedade como um todo, nós vamos inadvertidamente e indesejavelmente tirar do jogo, para colocar em tais termos, as pessoas que tomaram esses riscos.

N: E como está o mercado imobiliário agora?
G: Bem, no topo de tudo, temas uma visão geral deste mercado que é muito desfavorável. Existem estimativas de aproximadamente 200.000 novas unidades, quase prontas, que estão atrofiadas e tem que ser vendidas rapidamente. Mas a venda de casas está caindo rapidamente, apesar do início da construção de casas estar também em declínio. Isso está pressionando a diminuição dos preços. Existe uma lei (Act II) sobre isso: na medida que os preços cairem, o lucro dos indivíduos será menor. E sua inclinação a gastar também cai.

N: A questão que todos querem saber é, estamos em uma recessão ou caminhando para uma no final do ano?
G: Bem, não estamos em uma agora. E se estamos caminhando para uma é uma previsão que ainda tem que ser trabalhada.

N: Você foi por vários anos uma representação de segurança, durante a quebra do mercado de ações em 1987 ou em 11 de Setembro. As pessoas olharão para o título do seu livro, “A Era da Turbulência”, e dizer: meu Deus, se Greenspan acha que isso é turbulento, o quê iremos fazer?
G: Bem, coloco isso em termos econômicos, contando que podemos criar um sistema econômico e financeiro suficientemente flexível, podemos absorver a turbulência e seus extremos sem números significativos de desemprego ou disrupção econômica. A turbulência é, ao entrar no século 21, provavelmente uma condição necessária para manter uma economia mundial tão poderos como a que existe hoje.

N: Entao nós precisamos de um certo grau de instabilidade para crescer?
G: Me parece que precisamos de um certo grau de turbulência no sistema financeiro para criar estabilidade no sistema privado. Um bombardeador B-2 funciona quase completamente através de ajustes computadorizados. Centenas de milhares, talvez milhões, de ajustes que acontecem o tempo todo mantém o planeta estável. O que é uma boa analogia para a turbulência que ocorre na economia. De um certo ponto de vista é uma turbulência benéfica.

N: Lendo suas opiniões sobre vários presidentes com quem você trabalhou, é surpreendente que você coloque Clinton entre os melhores, considerando suas opiniões políticas, bem como Nixon, dada sua reputação.
G: Ambos tinham um alto QI, não considerei caráter. Nixon, como já falei a respeito, eu realmente julguei mal. Ele era um Jekyll e Hyde. Com Clinton, existe uma delicada situação moral a respeito. Quando escutei os rumores sobre o caso Monica Lewinsky, eu pensei, não é possível. Não ligo quão corrupto é o Presidente dos Estados Unidos, porque eles não fazem isso contra eles mesmos. A pessoa com o maior caráter foi Gerald R. Ford. Me senti mais confortável com ele, e confiei nele mais do que todos.

N: E quanto ao próximo presidente Hillary Clinton parece estar à frente no lado Democrata. Qual sua visão sobre a jovem Senadora de Nova Iorque?
G: Muito esperta. Ela provavelmente é tudo o que dizem sobre ela. Não seria má presidente, mas ela nao abordou assuntos que realmente dão trabalho durante sua campanha. A absoluta cegueira dos candidatos sobre o Sistema de Saúde (Medicare) me decepciona muito.

N: Quem você gostaria que ganhasse ano que vem?
G: Tenho a opção de escolher: Deixe o gabinete em aberto?

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