terça-feira, 28 de outubro de 2008

Localismo Americano, Reagindo à crise.



Parece que ainda têm boas notícias em Main Street.

Por Joel Kotkin

Domingo, 19 de Outubro de 2008. Página B01. The Washington Post.

Ao mesmo tempo em que a crise financeira derruba Wall Street, as pessoas normais em Main Street estão roendo as unhas, quando vêem o tsunami tóxico vir em seu caminho. Mas por causa de todos nossos pesadelos de afundar em um mar de terríveis hipotecas, casas com pagamentos pendentes e redução dos planos de aposentadoria, a verdade é que os efeitos desse derretimento não será tão mal no fim das contas. Por um lado, poderia oferecer nossa sociedade um resultado positivo: forçados a regrar em tudo, os americanos estarão propensos a fortalecer os laços familiares e comunitários e a centrar suas vidas nos lugares onde moram.

Essa tendência na direção do que chamo de “o novo localismo” começou há alguns anos, estimulada pelas mudanças demográficas, novas tecnologias e aumento do preço da energia. Mas o declínio econômico provavelmente irá acelerar esse processo na medida em que não só os indivíduos mas também as corporações olharem não para o cenário global, mas sim, mais próximo de casa, se concentrando e congregando nas Main Streets que escolhemos viver – nos subúrbios, em vizinhanças urbanas ou pequenas cidades.

No seu bestseller de 1972, “Uma nação de Estranhos”, o crítico social descreve os Estados Unidos como “uma sociedade se desfazendo pelas rachaduras.” Ele foi o único em uma longa cavalgada de futuristas que envisionaram uma América de “mobilidade espacial” sempre em crescimento, que daria um crescimento à famílias mais pobres e sem filhos, e à comunidades anônimas.

Packard e outros talvez não estavam tão longe de seu tempo: Em 1970, aproximadamente 20 porcento dos Americanos trocavam seu lugar de residência a cada ano. Mas em 2004, esse número caiu para 14 porcento, o menor índice desde 1950. Os americanos nascidos hoje na verdade estão mais propensos a morar perto do lugar onde nasceram do que aqueles que viveram no século 19. Parte disso é devido ao envelhecimento da população, porque pessoas mais velhas são menos dispostas a se mudar do que aquelas com menos de 30 anos. Mas opções econômicas mais limitadas podem intensificar esse fenômeno e ao mesmo tempo trazer inúmeros benefícios sociais, econômicos e ambientais quando em seu despertar.

Por uma simples razão: eles podem fortalecer os laços familiares que há tempos se enfraqueceu. Nós já estamos vendo sinais disto. A vida da família Americana hoje pode não parecer com o programa “Ozzie e Harriet”, com um núcleo familiar com pai e mãe morando juntos, mas reflete um padrão de gerações precedentes, quando grandes redes sociais ajudavam as famílias a suportar o deslocamento do Oeste em expansão ou da imigração.

Com a maioria das mulheres casadas agora trabalhando, os pais frequentemente dividem as tarefas de cuidados com as crianças, e outros membros da família também estão sendo envolvidos. Avós e outros parentes podem ajudam a cuidar de aproximadamente metade das crianças em idade pré-escolar no país. E com o custo de vida subindo, essa tendência pode acelerar.

Ao mesmo tempo, a dificuldade em conseguir hipotecas razoáveis e a realidade da diminuição de seus fundo de aposentadoria, irão forçar as pessoas desse contexto a prolongar suas responsabilidades como pais e a atrasar suas aposentadorias. Isso também, já está acontecendo: de acordo com um estudo, um quarto dessa geração recebe ajuda de seus pais. E quase 40 porcento dos Americanos com idade entre 20 e 34, de acordo com outra pesquisa, ainda mora pelo menos por meio período com seus pais.

Essa aglomeração de famílias, após décadas de dispersão, irá estimular mais ainda o localismo, que tem uma premissa simples: Quanto mais as pessoas permanecem em suas casas e comunidades, mais elas se identificam e cuidam desses lugares.

Isso está evidente no crescimento rápido de feiras em comunidades em todo o país, às instituições culturais suburbanas florescendo. Desde a década de 1980, subúrbios de cidades como Chicago, Atlanta, Washington e Los Angeles construíram ou estabeleceram novos centros – sua própria Main Street, por assim dizer, quadras e vizinhanças que intencionavam oferecer uma identidade local e foco comunitário. Várias cidades suburbanas estabeleceram orquestras e construíram teatros e casas para concertos – o Strathmore Hall em Bethesda é um exemplo. Toda essa atividade afastou um pouco a opinião de que os subúrbios eram os baluartes do refúgio da classe média.

"Este costumava ser um lugar em que as pessoas iam para dormir,” diz Patricia Jones, presidente da Arts Alliance, um grupo que ajuda a levantar fundos para a expansão do Civic Arts Plaza no subúrbio de Thousand Oaks em Los Angeles, que custa 63 milhões de dólares. “Agora é um lugar onde as pessoas moram, trabalham e encontram sua diversão. É um ambiente totalmente diferente. Não é mais chato.”

Não bastasse isso, também estão mais interconectados do que antes. Em subúrbios e cidade de Los Angeles a Nova Iorque, jornais eletrônicos de comunidades se multiplicaram para manter os residentes informados sobre acontecimentos em sua vizinhança e para oferecer um sentimento de conexão. “Existe uma tentativa nessa vizinhança de quebrar o ambiente de cidade grande e nos vermos mais como uma pequena cidade,” diz Ellen Moncure, que edita o website Flatbush Family Network em Nova Iorque. “Pode ser na grande cidade, mas é uma comunidade dentro dela, um lugar onde você pode ficar e criar seus filhos.”

À frente do encorajamento desta tendência está o alto preço da energia, fazendo com que os antigos padrões nômades dos americanos, fiquem menos viáveis economicamente, de várias maneiras. A recreação, por exemplo. Mais e mais pessoas, diz Tim Schneider, que publica uma revista especialidade em esportes e viagem, estão ficando próximas de casa ao invés de ir fazer trilhas em lugares distantes á procura de aventuras. As férias em lugares próximos estão tomando o lugar de viagens para lugares exóticos e distantes. Isso significa tempos difíceis para destinos de viagem tradicionais como Las Vegas e Havaí, ambos já vêm enfrentando quedas em chegadas no aeroporto devido à cortes das linhas aéreas. Mas fica uma moral para as cidades, diz Schneider: ao invés de contar com centros de convenções e instalações de arte ou cultura para atrair turistas de fora, a maioria estará melhor se promover eventos locais típicos, como festivais, rodeios, torneios de esportes e afins.

Os preços altos também podem redirecionar a economia local de maneiras inesperadas. Por gerações, a maioria dos americanos compra sua comida de corporações que têm sua sede em lugares distantes. Mas com os custos de frete – e a preocupação com a qualidade da comida – em crescimento, a tendência é comprar dos mercados locais. Em Maryland, o número de feiras livres cresceu de 20 em 1991, para 84 atualmente. Em 1977, a Califórnia tinha quatro destas feiras; hoje existem mais de 500. O alto custo também pode beneficiar empresas de manufatura locais, trazendo, digamos, empresas de manufatura de roupas de volta à Los Angeles, saindo da China.

O fator final que guia a tendência localista é a tecnologia, que liderou à uma rápida expansão de micro-empresas e empresas estabelecendo escritórios próximos à onde seus empregados moram. O número de micro-empresas dobrou rapidamente nesta década do que na última, e é agora de aproximadamente 9 milhões. Em todo o país, 13 milhões de pessoas gastavam pelo menos um dia por semana indo de casa para o trabalho em 2007, um aumento de 16 porcento em relação a 2004. E mais de 22 milhões de pessoas trabalham em casa.

Um estudo recente sugere que mais de um quarto da força de trabalho dos EUA poderia participar em meio-período ou em período integral dessa nova forma de trabalho. E na medida em que o tempo passar, isso irá acelarar o localismo. Gastar muito tempo de casa para o trabalho – que se tornou comum somente no ultimo século – tirou os trabalhadores dos lugares de onde eles moravam. Micro-empresas ou empresas caseiras, em contraste, dão às pessoas mais escolhas de onde eles trabalham e mais tempo para passear com suas famílias e dedicar às comunidades.

A telecomunicação permite que as pessoas tenham privacidade, vizinhanças menos populosas e que boas escolas vão até as pequenas cidades de uma forma que nunca aconteceu antes. Também permite que uma firma como a Renaissance Learning, empresa líder em softwares educacionais, a estabelecer sede em Wisconsin Rapids (no estado de Wisconsin), uma cidade de 17.500 pessoas cujo ambiente interiorano, rios e casas de madeira, atrai vários trabalhadores. “Nós não tivemos nenhum problema em recrutar pessoas para cá,” diz Mark Swanson, o diretor técnico da empresa.

Mesmo assim, o desejo de ficar na comunidade local não é limitado por pequenas cidades ou subúrbios. Vejo que onde moro, em San Fernando Valley, Califórnia, ou em partes do Brooklyn, onde várias pessoas empregadas em áreas como artes, consultoria e design, trabalham em casa ou próximos de casa, e lotam as cafeterias, restaurantes e lojas em avenidas como a Ventura Boulevard em Studio City, que já esteve em decadência, mas, que agora se expande.

No final das contas, o localismo não é nem urbano, nem anti-urbano. No fundo, ele representa algo maior: uma tradição histórica americana que vê as menores unidades da sociedade como vital e o principal foco da vida das pessoas. Isso tornou os Estados Unidos diferente da Europa, onde, como Alexis de Tocqueville notou, há tempos centralizou o local de poder e tomada de decisões.

A expansão do bem-estar europeu foi o responsável por esta tendência. Mas também é verdade que os europeus tendem a se mudar menos do que os americanos. E a forte resistência às formas mais intrusivas da integração da União Européia, como uma só constituição para o continente, sugere que existem fortes elementos localistas imbutidos nas comunidades Européias.

Mas se a Europa aderir à tendência, os Estados Unidos provavelmente será o líder em empurrar a descentralização. O que mais impressionou Tocqueville não foram nossas grandes cidades, mas a vitalidade de nossas várias pequenas cidades e comunidades. “A inteligência e o poder estão disperses,” ele escreveu, “e ao invés de irradiar de um ponto, eles se atravessam em várias direções.”

O reavivamento localista hoje em dia reflete esta tradição, mas com o benefício do grande acesso ao mundo que a tecnologia oferece. Isso dá um prospecto à América que, melhor do que ser uma “nação de estranhos,” podemos aspirer novamente a ser uma nação de vizinhos... em lugares que escolhermos para nós mesmos.

Joel Kotkin é membro da presidência da Chapman University e editor executivo do www.newgeography.com. Ele está terminando um livro sobre o futuro Americano.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

National Enquirer, a historia do grande tabloide americano


Por Jonathan Mahler. Revista Newsweek, 29 de Setembro de 2008.

Um raio-X da Era do Tablóide

É alta temporada para o National Enquirer, uma das criaturas mais estranhas e perigosas da selvageria que é a mídia Americana.

Generoso Pope Jr., o fundador do que vem a ser o prazer mais inconfessável da América e formado pelo MIT, estava empacado atrás de uma longa fila de espectadores que olhavam para uma cena de um acidente automotivo quando lhe veio a inspiração. Deve haver mercado para um jornal que vende sangue e vísceras. As estórias seriam curtas e gráficas – florescia um meio de comunicação escrito sensacionalista. E então nasceu o National Enquirer. Em umas centenas de palavras, os leitores se informavam sobre o garoto que esmagou a cabeça do pai com uma tábua de madeira, procurou por trocados nos bolsos do morto, torrou o dinheiro com bebida, e depois, sóbrio e cheio de remorso, implorou ao juiz que o mandasse para a cadeira elétrica. O jornal também trazia estórias grosseiras com um toque irônico: Família come carne de churrasco – e descobre que era seu cachorro.

Para seus leitores dedicados, fiéis no número de 1 milhão, o tablóide era o antidoto perfeito para o otimismo simplório de "Ozzie & Harriet" que manteve o controle da audiência no final dos anos 50 e início dos 60. Mas o dinamismo do mercado de mídia logo mudou. Com a urbanização em crescimento na América, as bancas de revistas e lojas de cigarros da esquina onde homens usando chapéus fedora anonimamente procuravam as prateleiras por algo que saciasse seus desejos mais lascivos estavam rapidamente se tornando relíquias. Mais e mais americanos estavam comprando suas revistas nas linhas de caixa dos supermercados e farmácias – nenhum dos quais estavam dispostos a colocar à venda uma publicação com manchetes gritantes trazendo estórias sombrias sobre terríveis assassinatos e acidentes horríveis. E também agora havia um novo mercado a ser alcançado: as donas de casa suburbanas. Então o Enquirer se reinventou, dessa vez como algo que oferecia um jornalismo entusiasta. Misticismo, psicologia popular, visões de extraterrestres e contos de sobrevivência apesar das circunstâncias improváveis, todos eles, se tornaram padrão. Chega o tablóide para os supermercados.

Havia outro ingrediente, também, que rapidamente se tornaria favorito do Enquirer – os escândalos envolvendo celebridades. Ultimamente, o tablóide também se intromete nas notícias da vida particular de políticos. Alguns de seus furos vão parar na grande mídia, a maioria não. Se você está lendo essa revista, você provavelmente sabe que John Edwards admitiu que teve um caso fora do casamento com uma assistente de campanha de nome Rielle Hunter. O que você não sabe, a menos que seja leitor do National Enquirer, que levou a estória de Edwards às bancas meses antes de sua admissão pública de culpa, é que Hunter foi aparentemente despachada para o Caribe em um avião particular dias antes de Edwards confessar seus encontros amorosos, e o ex-candidato à presidência, segundo boatos, tomou as providências necessárias para sustentar ela e seu filho com o valor de U$15.000 por mês (Edwards não comentou a respeito da última reportagem do Enquirer).

Certamente você sabe do caso da filha solteira da vice-candidata Republicana Sarah Palin que está grávida. (Aqui também, o Enquirer foi o primeiro, mas o tablóide diz que estória sobre a gravidez não planejada vazou antes do anúncio da campanha presidencial do Senador John McCain). Mas você pode não saber sobre outras alegações provocativas sobre o clã Palin que surgiram com reportagens do Enquirer – alegações vigorosamente negadas pela campanha de McCain, que ameaçou ação legal, e não-confirmada por outras grandes redes de notícia, incluindo esta.

Estranho é a proporção que os escândalos ocupam no cenário de mídia da América. O Enquirer não compete com jornais como o The New York Times ou semanais como Time ou NEWSWEEK, mas com revistas de celebridades como People, Us Weekly e OK! Usando métodos desprezados pela grande mídia – revirando em latas de lixo, ficando à espreita de pessoas, e acima de tudo, pagando por informação. Além de perseguir o tipo de estória que a maior parte dos jornais e revistas tendem a recusar. Mesmo assim o Enquirer publica vários furos que outros costumam ignorar – ou, mais exatamente, que ignoram por causa de seus riscos.

Imagine o Enquirer como o tio malandro da mídia que gosta de ficar na dele quando chega em reuniões de família e depois presenteia os parentes com estórias cafonas e deliciosas de veracidade questionável. Ele ainda não é totalmente bem recebido como companhia, mas você também não consegue parar de ouví-lo. A chegada do tablóide em nossa nação foi recepcionada com uma combinação de admiração, aversão e inveja. "A maioria dos jornalistas se aproxima do Enquirer com pinças radioativas,” diz Howard Kurtz, crítico de mídia veterano do Washington Post. “Mas eles bem sabem que o jornal tem um recorde de conseguir grandes estórias sobre políticos e sexo – mesmo quando usa métodos que não aprovamos.”

Ficou mais difícil ignorar o tio malandro. “Apesar de nossa discrição inicial, os jornalistas acabaram produzindo a estória do affair de Edwards e a estória sobre o filho com Jesse Jackson e outras,” diz Kurtz. “O fato é que todos vivemos num mundo com tablóides agora, e algumas vezes pessoas públicas fazem coisas estúpidas.”

E quando elas fazem, as chances são que o Enquirer vai encontrar uma maneira de pegá-los no flagra. Na verdade, o escândalo de Edwards foi a sobra da ruína de outro político jovem, bonito e carismático, Gary Hart. Como Edwards, que denunciou as primeiras reportagens do Enquirer sobre suas atividades fora do casamento como “mentiras, lixo de tablóide”, Hart, também, negou inicialmente os rumores de ser mulherengo. Enquanto a grande mídia debatia se tentava ou não provar que ele estava errado, o Enquirer desembolsou 60 mil dólares por uma fotografia de Hart com sua namorada de 29 anos, Donna Rice, sentada em seu colo a bordo do iate de nome Monkey Business. Fim do jogo.

O escândalo de Edwards se desenrolou mais gradualmente. O Enquirer começou a trabalhar na estória um ano atrás, seguindo uma dica anônima feita ao seu escritório de Los Angeles. A primeira reportagem do tablóide sobre o romance em Outubro de 2007, dizia: Escândalo de traição presidencial! Suposto romance pode arruinar a campanha de John Edwards, não foi exatamente cauteloso. Mas o Enquirer se conteve ao não mencionar o nome da mulher envolvida ou mencionar que ela estava grávida desde Dezembro, quando o jornal disse que uma equipe de seus repórteres que ficaram de espera no consultório do ginecologista de Hunter por semanas a fio, finalmente conseguiram tirar uma foto dela. No dia 22 de Julho de 2008, veio o golpe de misericórdia: no meio da noite, um repórter do Enquirer seguiu Edwards no lobby do Beverly Hilton hotel, onde Hunter supostamente estaria escondida com seu bebê. Edwards finalmente admitiu o romance algumas semanas depois em uma entrevista à ABC News – apesar dele negar que o filho de Hunter era dele – e o restante da mídia cobriu a estória.

O próprio editor chefe do tablóide, David Perel, é um refugiado do sistema jornalístico – ele começou sua carreira no The Washington Post e foi free-lancer como colunista de esporte no Gannett antes de entrar para o Enquirer no início dos anos 90 – e tem conquistado várias vitórias desde então, com direito a batidas no peito, ao estilo Usain Bolt. Entre outras coisas, Perel vem questionando a “capacidade investigativa” da grande mídia e os acusa de serem “preguiçosos”.

O que ele diz faz sentido. Até mesmo o ombusdman do The New York Times, Clark Hoyt, repreendeu o jornal por ser muito medroso sobre as estórias, em uma coluna com o seguinte título: ALGUMAS VEZES AS NOTÍCIAS ESTÃO NA SARJETA. Claro, o Enquirer tem ao menos uma vantagem sobre o Times e o restante da grande mídia: seu julgamento editorial não é, e nunca foi, envolto por senso de dever civil. “As grandes organizações de notícia dizem às pessoas o que eles pensam que eles estão interessados, enquanto que nós tentamos dar a elas estórias em que eles estão interessados,” me disse Perel.

Existe uma explicação econômica simples para esse credo editorial. Ao contrário da maioria dos jornais e revistas, o Enquirer vende poucas assinaturas. A parte que vai para o leão dos seus rendimentos não vêm de anunciantes – como acontece normalmente na indústria – mas de cópias individuais compradas em bancas de revista. Desde sua criação e através de suas várias reencarnações, o Enquirer sempre foi motivado somente pela necessidade de se livrar dessas cópias. Como tal, a história do tablóide serve como um barômetro impecável dos apetites e obsessões da nação.

O Enquirer como o conhecemos nasceu nos anos 70, e floresceu em meio à paixão crescente da nação com a cultura de celebridades. A fofoca sempre esteve presente desde os dias de Walter Winchell, o primeiro repórter a quebrar o tabu contra escrever sobre a vida privada das celebridades. Mas entre o crescimento do uso da televisão e o apetite por escândalo criado pelos casos Watergate e Chappaquiddick, a fofoca de celebridades agora havia se tornado uma indústria própria, completa, com uma nova categoria de revistas, como People e Us.

Semana após semana, o elevado número de circulação do Enquirer contava a estória: não havia um bom substituto para um prato de celebridades. Na semana da morte de Elvis Presley, em Agosto de 1977, o jornal vendeu um estarrecedor número de 6.5 milhões de cópias – um cálculo que excede a circulação diária de hoje do The New York Times, The Washington Post e The Wall Street Journal, combinados – graças à foto ícone de primeira página do Rei em seu caixão, tirada por um primo adolescente distante e vendida ao Enquirer pela considerável barganha de 18 mil dólares. O Enquirer era agora o item não-perecível mais vendido nos supermercados da América, ultrapassando a sopa de galinha da Campbell e a aspirina Bayer. Para assegurar que os furos de reportagem continuassem, Pope encheu sua sala de redação na tranquila cidade de Lantana, Flórida, com veteranos das guerras de tablóide Britânicos.

O Enquirer se tornou leitura obrigatória para repórteres de jornais diários e produtores de redes de TV nacionais durante o julgamento de assassinato cometido por um dos maiores jogadores de futebol americano da história. Acompanhada por Perel, a cobertura do Enquirer no caso O. J. Simpson incluía 20 repórteres que produziram furos de reportagens notáveis, entre os mais memoráveis está o fato de que O.J. comprou uma faca em uma loja de coisas para cozinha semanas antes de sua mulher ser assassinada. Como tantas outras grandes estórias do Enquirer, essa veio como cortesia por um gordo cheques. Quando questionado por outros repórteres, o rapaz que vendeu a faca a O.J. negou o fato – mas quando oferecido 35 mil dólares pela informação pelo Enquirer, ele contou tudo.

Durante os anos 90, a grande mídia frequentemente se alimentava da mesma tijela que o Enquirer. Se olharmos para trás agora, não havia como acontecer de outra maneira. Da lata de Coca-Cola de Clarence Thomas à rótula do joelho de Nancy Kerrigan – sem falar no vestido azul de Mônica – os anos 90 produziram várias estórias que estenderam a linha entre material de tablóide e, por falta de um termo melhor, notícia.

Mesmo quando a grande mídia seguia o Enquirer até a sujeira, o fazia como tentativa. Tente lembrar de 1988, enquanto esta revista procedia cautelosamente com o que teria sido a primeira estória sobre o romance do presidente Bill Clinton com uma estagiária da Casa Branca, o menos discriminador Matt Drudge tomou a reportagem da NEWSWEEK e escreveu o furo sobre escândalos política e sexo mais sensacional na história Americana. A grande mídia entrou logo após. Paradoxalmente, entretanto, a saturação na cobertura do caso Monica, com suas sessões íntimas tarde da noite no Salão Oval e as amostras de DNA presidencial, não estimulou o apetite da mídia por mais. Vários dos repórteres designados entenderam que dificilmente poderiam escapar do primeiro julgamento de um presidente ainda em mandato em 131 anos. Mas isso não os deixou mais confortáveis em ir atrás dessa estória espalhafatosa. No mínimo, toda a saga de pedido de desculpas deixou até mesmo a mídia em conflito se deveria ou não fuçar a vida privada de políticos, particularmente quando não existem consequências públicas claras em risco.

Quando o Enquirer publicou a reportagem sobre o romance de Edwards, o jornal estava escrevendo sobre um candidato que ainda estava na concorrência pela nominação do partido Democrata. Nem toda grande organização de mídia descartou a estória. A unidade investigativa da ABC tentou levá-la ao público, mas, acabou dando de encontro com várias ruas sem saída, principalmente devido à proibição da emissora em relação ao pagamento de informação. "Fazer reportagens no rastro do Enquirer é muito difícil,” diz Brian Ross, o diretor da unidade, que me disse que uma mulher que sua equipe tentou entrevistar sobre o caso Edwards encontrou um aviso na sua porta vinda de um repórter do Enquirer prometendo 50 mil dólares por informação pertinente. “A primeira pergunta que toda fonte em potencial pergunta é: ‘O quê eu vou ganhar com isso?' E tudo que podemos oferecer é uma xícara de café,” diz Ross. A ABC eventualmente colocou as mãos em alguns e-mails comprometedores, de acordo com Ross, mas quando perguntaram a Edwards se os rumores eram verdade, ele disse que não. A rede nunca levou ao ar a fita. “Não conseguimos passar pelas negações,” disse Ross.

Para a maior parte, entretanto, a grande mídia manteve-se afastada da estória em Edwards. Por quê? Por mais estranho que possa parecer, as grandes redes de notícia da América ainda vêem a eles mesmos, ao menos em parte, como a serviço do público. Não faz tanto tempo assim que a Comissão Federal de Comunicações ordenou explicitamente que as redes tenham sua divisão própria de notícias para manter os cidadãos informados. Até a chegada do programa “60 Minutos”, os executivos das redes simplesmente compreenderam que essas divisões existem para educar e iluminar, e não se tornar como forma de lucro. Até mesmo a grande mídia – relutantemente ou não – se tornou mais tablóide, os dados sobre leitores nas salas de redação se moveram para outra direção. Desde Watergate, as salas de redação de nossa nação tem sido dominadas pela elite que entraram para o jornalismo para desempenhar um papel, apesar de subjugado, na formação de nosso discurso político, e não para ir atrás de rumores de casos fora do casamento.

Mesmo o Enquirer às vezes se pergunta sobre suas reportagens sem limites, e uma vez beirou a respeitabilidade, embora ter acontecido como estratégia de negócios. Em 1997, o editor chefe formado em Harvard, Steve Coz, escreveu um editorial de opinião no The New York Times denunciando um de seus rivais, o Globe, por contratar uma ex-comissária de bordo para seduzir Frank Gifford. Durante o jogo dos tablóides que seguiu a morte da Princesa Diana no mesmo ano, Coz colocou a responsabilidade nas redes televisão a cabo de organizar boicote dos paparazzi que estavam vendendo fotos da cena do acidente. Apesar de que, ultimamente, diminuir o Enquirer faz tanto sentido quanto bajular o The Wall Street Journal – coisa que nem mesmo Rupert Murdoch teve audácia de tentar ao contrário.

Hoje em dia, a maioria das reportagens do Enquirer são puras e não perturbam – relacionamentos e gravidez de celebridades, etc. Mas de vez em quando o jornal quebra a rotina e volta pra categoria que envolve assuntos como o romance de Edwards, e quando isso acontece, a estória invariavelmente é recebida com ceticismo pela maioria no sistema jornalístico.

A exatidão é certamente um problema. Ross diz que ele trata o Enquirer como uma fonte de dicas, uma mais confiável do que e-mails anônimos mas não o bastante para considerar como verdade. Apesar de ter em sua folha de pagamento alguns dos melhores advogados na área, o Enquirer já teve o bastante de problemas legais. O tablóide não foi processado com sucesso em mais de 30 anos, mas seus advogados eliminaram um número considerável de disputas sem precisar levá-las ao tribunal; mesmo quando o tablóide estava sendo voraz na estória sobre Edwards, estava às escondidas resolvendo um processo de uma estória de 2006 que dizia que o Senador Edward Kennedy também teria um filho fora do casamento. Mesmo assim, o Enquirer está certo várias vezes. O bastante para ganhar a atenção, se não a aprovação, da grande mídia.

Se ele procura essa aprovação é um assunto mais complicado. O Enquirer parece de um lado gostar do seu status de intruso: após Edwards, Perel obviamente se deliciou em meter o nariz na “indigesta frente elitista” da grande impressa “incompetente”, e o jornal produziu um edição inteira exibindo seus furos em relação às grandes organizações de notícias do país. E ao mesmo tempo, o Enquirer demonstra o desejo ardente de ter o respeito dos outros. O tablóide trata como notícia antes de outros meios de comunicação confirmarem o que já foi às bancas – um reconhecimento implícito de que as estórias do jornal se tornam legítimas quando encontram um comprador em algum lugar.

Julgando pelo zelo com que a grande mídia inicialmente foi atrás da estória de Palin, os grandes podem finalmente estar perdendo algo de seu capricho quando entram em território dos tabloides. A internet já estava rumorejando com estórias sobre o romance de Edwards por meses antes da estória atrair publicações mais veneráveis. Como o próprio Perel escreveu no The Huffington Post, Edwards “inconscientemente iniciou uma nova era de como a imprensa vai cobrir escândalos e onde os Americanos conseguem as notícias.” Em outras palavras, agora que o público Americano tem a esfera dos blogs, não precisa mais das redes e dos grandes jornais para os dizer sobre o último escândalo de celebridades.

A ironia, entretanto é que o público pode não mais precisar do Enquirer também. A internet, o meio ideal para fofoca não confirmada, vem tomando parcelas da circulação do tablóide por anos. A estória sobre Edwards foi uma bênção, mas é tudo relativo. Na semana de Agosto em que Edwards admitiu o romance para a ABC, o Enquirer vendeu 738 mil cópias, tornando essa uma das edições mais bem sucedidas do ano do jornal – mas ainda a uma grande distância da circulação semanal de 1.4 milhões de apenas cinco anos atrás.

David Pecker, o executivo chefe da editora do Enquirer, American Media Inc., está no meio de um leilão desesperado para refinanciar a empresa em decadência. Se ele falhar, a American Media pode muito bem acabar na Corte de falências. E é uma pena que a grande mídia, que se direciona também para uma queda no público leitor, ficará sem dúvida mais feliz que nunca.

Mahler é escritor associado para o New York Times Magazine e o autor do mais recente “O desafio: Hamdan versus Rumsfeld e a Luta pelo Poder Presidencial”. (The Challenge: Hamdan v. Rumsfeld and the Fight Over Presidential Power.)