Parece que ainda têm boas notícias em Main Street.
Por Joel Kotkin
Domingo, 19 de Outubro de 2008. Página B01. The Washington Post.
Ao mesmo tempo em que a crise financeira derruba Wall Street, as pessoas normais em Main Street estão roendo as unhas, quando vêem o tsunami tóxico vir em seu caminho. Mas por causa de todos nossos pesadelos de afundar em um mar de terríveis hipotecas, casas com pagamentos pendentes e redução dos planos de aposentadoria, a verdade é que os efeitos desse derretimento não será tão mal no fim das contas. Por um lado, poderia oferecer nossa sociedade um resultado positivo: forçados a regrar em tudo, os americanos estarão propensos a fortalecer os laços familiares e comunitários e a centrar suas vidas nos lugares onde moram.
Essa tendência na direção do que chamo de “o novo localismo” começou há alguns anos, estimulada pelas mudanças demográficas, novas tecnologias e aumento do preço da energia. Mas o declínio econômico provavelmente irá acelerar esse processo na medida em que não só os indivíduos mas também as corporações olharem não para o cenário global, mas sim, mais próximo de casa, se concentrando e congregando nas Main Streets que escolhemos viver – nos subúrbios, em vizinhanças urbanas ou pequenas cidades.
No seu bestseller de 1972, “Uma nação de Estranhos”, o crítico social descreve os Estados Unidos como “uma sociedade se desfazendo pelas rachaduras.” Ele foi o único em uma longa cavalgada de futuristas que envisionaram uma América de “mobilidade espacial” sempre em crescimento, que daria um crescimento à famílias mais pobres e sem filhos, e à comunidades anônimas.
Packard e outros talvez não estavam tão longe de seu tempo: Em 1970, aproximadamente 20 porcento dos Americanos trocavam seu lugar de residência a cada ano. Mas em 2004, esse número caiu para 14 porcento, o menor índice desde 1950. Os americanos nascidos hoje na verdade estão mais propensos a morar perto do lugar onde nasceram do que aqueles que viveram no século 19. Parte disso é devido ao envelhecimento da população, porque pessoas mais velhas são menos dispostas a se mudar do que aquelas com menos de 30 anos. Mas opções econômicas mais limitadas podem intensificar esse fenômeno e ao mesmo tempo trazer inúmeros benefícios sociais, econômicos e ambientais quando em seu despertar.
Por uma simples razão: eles podem fortalecer os laços familiares que há tempos se enfraqueceu. Nós já estamos vendo sinais disto. A vida da família Americana hoje pode não parecer com o programa “Ozzie e Harriet”, com um núcleo familiar com pai e mãe morando juntos, mas reflete um padrão de gerações precedentes, quando grandes redes sociais ajudavam as famílias a suportar o deslocamento do Oeste em expansão ou da imigração.
Com a maioria das mulheres casadas agora trabalhando, os pais frequentemente dividem as tarefas de cuidados com as crianças, e outros membros da família também estão sendo envolvidos. Avós e outros parentes podem ajudam a cuidar de aproximadamente metade das crianças em idade pré-escolar no país. E com o custo de vida subindo, essa tendência pode acelerar.
Ao mesmo tempo, a dificuldade em conseguir hipotecas razoáveis e a realidade da diminuição de seus fundo de aposentadoria, irão forçar as pessoas desse contexto a prolongar suas responsabilidades como pais e a atrasar suas aposentadorias. Isso também, já está acontecendo: de acordo com um estudo, um quarto dessa geração recebe ajuda de seus pais. E quase 40 porcento dos Americanos com idade entre 20 e 34, de acordo com outra pesquisa, ainda mora pelo menos por meio período com seus pais.
Essa aglomeração de famílias, após décadas de dispersão, irá estimular mais ainda o localismo, que tem uma premissa simples: Quanto mais as pessoas permanecem em suas casas e comunidades, mais elas se identificam e cuidam desses lugares.
Isso está evidente no crescimento rápido de feiras em comunidades em todo o país, às instituições culturais suburbanas florescendo. Desde a década de 1980, subúrbios de cidades como Chicago, Atlanta, Washington e Los Angeles construíram ou estabeleceram novos centros – sua própria Main Street, por assim dizer, quadras e vizinhanças que intencionavam oferecer uma identidade local e foco comunitário. Várias cidades suburbanas estabeleceram orquestras e construíram teatros e casas para concertos – o Strathmore Hall em Bethesda é um exemplo. Toda essa atividade afastou um pouco a opinião de que os subúrbios eram os baluartes do refúgio da classe média.
"Este costumava ser um lugar em que as pessoas iam para dormir,” diz Patricia Jones, presidente da Arts Alliance, um grupo que ajuda a levantar fundos para a expansão do Civic Arts Plaza no subúrbio de Thousand Oaks em Los Angeles, que custa 63 milhões de dólares. “Agora é um lugar onde as pessoas moram, trabalham e encontram sua diversão. É um ambiente totalmente diferente. Não é mais chato.”
Não bastasse isso, também estão mais interconectados do que antes. Em subúrbios e cidade de Los Angeles a Nova Iorque, jornais eletrônicos de comunidades se multiplicaram para manter os residentes informados sobre acontecimentos em sua vizinhança e para oferecer um sentimento de conexão. “Existe uma tentativa nessa vizinhança de quebrar o ambiente de cidade grande e nos vermos mais como uma pequena cidade,” diz Ellen Moncure, que edita o website Flatbush Family Network em Nova Iorque. “Pode ser na grande cidade, mas é uma comunidade dentro dela, um lugar onde você pode ficar e criar seus filhos.”
À frente do encorajamento desta tendência está o alto preço da energia, fazendo com que os antigos padrões nômades dos americanos, fiquem menos viáveis economicamente, de várias maneiras. A recreação, por exemplo. Mais e mais pessoas, diz Tim Schneider, que publica uma revista especialidade em esportes e viagem, estão ficando próximas de casa ao invés de ir fazer trilhas em lugares distantes á procura de aventuras. As férias em lugares próximos estão tomando o lugar de viagens para lugares exóticos e distantes. Isso significa tempos difíceis para destinos de viagem tradicionais como Las Vegas e Havaí, ambos já vêm enfrentando quedas em chegadas no aeroporto devido à cortes das linhas aéreas. Mas fica uma moral para as cidades, diz Schneider: ao invés de contar com centros de convenções e instalações de arte ou cultura para atrair turistas de fora, a maioria estará melhor se promover eventos locais típicos, como festivais, rodeios, torneios de esportes e afins.
Os preços altos também podem redirecionar a economia local de maneiras inesperadas. Por gerações, a maioria dos americanos compra sua comida de corporações que têm sua sede em lugares distantes. Mas com os custos de frete – e a preocupação com a qualidade da comida – em crescimento, a tendência é comprar dos mercados locais. Em Maryland, o número de feiras livres cresceu de 20 em 1991, para 84 atualmente. Em 1977, a Califórnia tinha quatro destas feiras; hoje existem mais de 500. O alto custo também pode beneficiar empresas de manufatura locais, trazendo, digamos, empresas de manufatura de roupas de volta à Los Angeles, saindo da China.
O fator final que guia a tendência localista é a tecnologia, que liderou à uma rápida expansão de micro-empresas e empresas estabelecendo escritórios próximos à onde seus empregados moram. O número de micro-empresas dobrou rapidamente nesta década do que na última, e é agora de aproximadamente 9 milhões. Em todo o país, 13 milhões de pessoas gastavam pelo menos um dia por semana indo de casa para o trabalho em 2007, um aumento de 16 porcento em relação a 2004. E mais de 22 milhões de pessoas trabalham em casa.
Um estudo recente sugere que mais de um quarto da força de trabalho dos EUA poderia participar em meio-período ou em período integral dessa nova forma de trabalho. E na medida em que o tempo passar, isso irá acelarar o localismo. Gastar muito tempo de casa para o trabalho – que se tornou comum somente no ultimo século – tirou os trabalhadores dos lugares de onde eles moravam. Micro-empresas ou empresas caseiras, em contraste, dão às pessoas mais escolhas de onde eles trabalham e mais tempo para passear com suas famílias e dedicar às comunidades.
A telecomunicação permite que as pessoas tenham privacidade, vizinhanças menos populosas e que boas escolas vão até as pequenas cidades de uma forma que nunca aconteceu antes. Também permite que uma firma como a Renaissance Learning, empresa líder em softwares educacionais, a estabelecer sede em Wisconsin Rapids (no estado de Wisconsin), uma cidade de 17.500 pessoas cujo ambiente interiorano, rios e casas de madeira, atrai vários trabalhadores. “Nós não tivemos nenhum problema em recrutar pessoas para cá,” diz Mark Swanson, o diretor técnico da empresa.
Mesmo assim, o desejo de ficar na comunidade local não é limitado por pequenas cidades ou subúrbios. Vejo que onde moro, em San Fernando Valley, Califórnia, ou em partes do Brooklyn, onde várias pessoas empregadas em áreas como artes, consultoria e design, trabalham em casa ou próximos de casa, e lotam as cafeterias, restaurantes e lojas em avenidas como a Ventura Boulevard em Studio City, que já esteve em decadência, mas, que agora se expande.
No final das contas, o localismo não é nem urbano, nem anti-urbano. No fundo, ele representa algo maior: uma tradição histórica americana que vê as menores unidades da sociedade como vital e o principal foco da vida das pessoas. Isso tornou os Estados Unidos diferente da Europa, onde, como Alexis de Tocqueville notou, há tempos centralizou o local de poder e tomada de decisões.
A expansão do bem-estar europeu foi o responsável por esta tendência. Mas também é verdade que os europeus tendem a se mudar menos do que os americanos. E a forte resistência às formas mais intrusivas da integração da União Européia, como uma só constituição para o continente, sugere que existem fortes elementos localistas imbutidos nas comunidades Européias.
Mas se a Europa aderir à tendência, os Estados Unidos provavelmente será o líder em empurrar a descentralização. O que mais impressionou Tocqueville não foram nossas grandes cidades, mas a vitalidade de nossas várias pequenas cidades e comunidades. “A inteligência e o poder estão disperses,” ele escreveu, “e ao invés de irradiar de um ponto, eles se atravessam em várias direções.”
O reavivamento localista hoje em dia reflete esta tradição, mas com o benefício do grande acesso ao mundo que a tecnologia oferece. Isso dá um prospecto à América que, melhor do que ser uma “nação de estranhos,” podemos aspirer novamente a ser uma nação de vizinhos... em lugares que escolhermos para nós mesmos.
Joel Kotkin é membro da presidência da Chapman University e editor executivo do www.newgeography.com. Ele está terminando um livro sobre o futuro Americano.